terça-feira, 8 de agosto de 2023

A bruxa.

 


A selva de pedra tentou me matar.

Não foi uma morte rápida e indolor, ela tentou me matar aos poucos, lentamente, injetando poluição em meus pulmões, fazendo eu esquecer das estrelas, definhando aos poucos apenas para ter longas noites de prazer regadas por álcool e cigarro.

Ela tentou, não conseguiu.

Eu acordei.

E quando eu acordei, percebi que posso ser feliz onde eu estiver.

Hei de ser feliz.

Sabe quando você acorda de um sonho e a realidade é confusa? Aquela sensação de não saber exatamente se está acordado ou dormindo, era assim a minha sensação diariamente. Eu vivo ou eu sonho?

Então a lucidez tomou conta do meu corpo, meus desejos pularam para a minha pele, o tesão tomou conta de tal forma que é difícil respirar. Respirar é um lembrete eterno de que estou vivo e desejando.

E eu decidi viver, não apenas sobreviver em uma selva de pedra.

Taque as pessoas na selva, quem sobrevive é a bruxa.

sábado, 29 de julho de 2023

 


Quando criança a vida era mais pesada, talvez por não poder escolher minhas coisas, ou por não conseguir me expressar, ou por achar que era uma árvore e, por esse motivo, preferia ficar mudo como elas.

O que os adultos não contam é que existem raízes que não são fixas.

Você pode cortar uma ou outra raiz para conseguir andar e sair de um lugar, isso não irá afetar toda a sua estrutura, muitas vezes a dor é o melhor caminho para conseguir se curar de uma ferida, raízes petrificadas não tem vida.

Quem disse que árvore não anda?

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Lembranças I

 




Esqueci de mim.

Mas as vezes lembro quem eu sou. Acontece ocasionalmente, nem sempre. Um lapso de memória me faz ver tudo o que eu quero ser e tudo o que eu não fui. Nem sempre podemos ser tudo, né?

Geralmente me vejo quando estou sozinho a noite, é como ver um retrato que não existe, feito de sonhos e desejos além do que os outros vão pensar. O que os outros pensam me atravessa como uma flecha cega, entra em meu corpo e me rasga por completo, é tanta dor que meu corpo anestesiou, assim como lembrar de mim ocorre de tempos em tempos, a dor que me anestesiou costuma ser vista ocasionalmente.

Quando lembro de mim, começo a planejar o que quero ser, as coisas que quero fazer, os mundos que quero visitar, as pessoas que quero xingar porque em algum momento do passado não fui capaz de dizer o que sentia. É uma vontade de gritar pra mim “acorda, chegou a hora de fazer o que quer!”.

O mundo então brilha de possibilidades, as correntes que me prendem parecem se afrouxar, a flecha parece sair do meu corpo e a ferida do olhar do outro parece sarar em um passe de mágica.

Viro rei do meu reino, talvez a bruxa da floresta, quem sabe até um integrante de alguma escola de super-heróis onde o mundo é tão mágico que tudo é possível.

Então eu durmo.

Acordo com um sentimento amargo na boca, o sabor de uma frustração, mas não ouso pensar no que sonhei, preciso trabalhar.

Quem sabe no futuro consigo ser.

segunda-feira, 13 de março de 2023

sangue sagrado

 


Ele andava como um animal pela mata, aprendera a sentir e confiar em seu olfato – a mata conversava com ele através dos aromas. Tal qual um bicho feito de instintos, sua pele ouriçava com o vento que tocava sua nuca. Um arrepio se faz em seu corpo, ao longe algum animal uiva desesperadamente, ele sente os dedos dos seus pés tentarem cavar a terra, em uma tentativa animalesca de criar raízes e se proteger dos perigos. Quais?

Ele não desiste e continua andando para algum lugar, ele sabia onde parar. ele sabia onde parar. ele sabia onde parar. ele sabia onde parar?

Alguns pássaros noturnos o encaravam fixamente, a sensação de frio não abandonava o seu corpo, o que mais ele poderia fazer? Esperar a noite passar não era uma opção, nunca foi. Era o dia correto na noite perfeita para fazer o que precisava. Não posso desistir agora, ele disse.

Andava devagar por conta da escuridão, a pouca luz que tinha não era suficiente para iluminar o caminho. Tropeço, uma pedra escorregadia que não vira o faz ficar com os pés sangrando.

- meu pé sangrando é sagrado, disse pra si mesmo.

Seu maior incômodo eram as teias de aranha invisíveis, ele caminhava um pouco e parecia que sempre tinha uma teia na altura do seu rosto.

Seus olhos arregalam quando encontra o que precisava encontrar: uma árvore retorcida que parecia a porta mágica para algum lugar.

Ele atravessa para a morte.