domingo, 12 de abril de 2015

Já não tenho amores pelo mundo
a forte tempestade não me arranca suspiros
e os raios e trovões não eriçam meus pelos.

Já não tenho amores pelas flores
o orvalho na grama não toca minha alma
e o borbulhar do rio não preenche meu espírito.

Já não tenho amores pelos olhares
a janela da alma trancou-se pra mim
e o que antes via, agora me deixa cego.

Já não tenho amores por mim
o que escuto bater no lugar do coração é a parte fisiológica
e o sentimento que o faz pulsar, esse já parou de existir.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

The dark

Chloé estava usando um vestido novo, azul safira com estampa floral. Ela gostava das flores e das cores nas flores, era o que sempre dizia. Mas as flores murcham e morrem, será que Chloé havia esquecido desse detalhe? Não importa olhar pra flor quando toda a planta está morrendo. Uma regra da biologia que ela esqueceu, as vezes as plantas dão flores porque estão morrendo e, como última esperança, liberam toda a energia pra fazer uma flor e assim tentar perpetuar suas gerações.

Mas as flores de Chloé já estavam mortas.

Nesse dia algo estava diferente, seu cabelo não brilhava como o de um botão de flor  prestes a abrir, seu batom não transmitia a alegria de uma fada. Seu rosto guardava as memórias que, de tanto guardar pra si mesma, fizeram-na atrofiar.
Ela buscava as flores nas outras coisas, anulando-se interiormente. Fingia amar borboletas e coisas fofas, quando na verdade o que queria era uma fina lâmina de gilete atravessando aqueles pulsos. Falava que adorava milkshake de chocolate, mas a realidade era diferente, queria era sentir o sabor do sangue em seus lábios, enquanto recitava poesias para Lúcifer. 
Chloé enganava a humanidade com seu sorriso e seus olhos de amêndoa, a flor da mortalidade já estava morta e agora ela habitava outro patamar, ela habitava a sensação de uma flor desesperada por amor, uma flor que se perdera na razão da vida, uma flor que se rendera a imortalidade, mas flores não vivem pra sempre. Quando uma flor se entrega a imortalidade, perde suas pétalas. Quando uma flor se rende a imortalidade, torna-se pó.

Viagem

Podem dizer que sou chato, metido e fresco. Mas não é qualquer um que viaja comigo, não aceito qualquer tipo de pessoa nas minhas viagens. Fujo daquelas pessoas que se denominam normais. Como viajar com alguém que não gira como as nuvens? Não quero alguém que dê passos retos, gosto de sinuosidades, de pessoas que andam de forma orgânica, como se pisassem em algodão doce. Aliás, gosto de comprar algodão doce pra sentir derreter o céu da boca. E de colocar algodão nas nuvens. Ou de ver nuvens rosas, laranjas, verdes. Achou tudo isso loucura demais? Então não está apto pras minhas aventuras.
Quero pessoas que dancem ao ver uma bela paisagem, ou que se encantem com uma borboleta voando. Não quero tons de cinza nas minhas viagens, já basta relevar que você foi ao cinema assistir 50 tons de cinza. Gosto do colorido, do que se mostra, do que não é discreto.
Se quer me agradar em uma viagem, mostre-me a cor do miolo de uma flor ou uma joaninha na grama. Não quero alguém que repara em lojas de shoppping, quero olhares pra fora, pra vida, pras rugas do tempo. Também não quero pudores, minhas viagens podem ser amigáveis ou regadas com sexo em todos os lugares, no carro, na rua, no parque. Porque fugir de uma cama também é interessante.
Ah, também detesto quem tem nojo. Abraço animais que vejo na rua e peço pra levar todos pra casa, alimento animais com o mesmo garfo que almoço. Ainda quer continuar a viagem? Porque vou querer passear pelas ruas e fugir dos locais turísticos. Quero abraçar e ser a cidade, não apenas conhecer.
Então, quem me compra um jardim com flores?

sábado, 28 de março de 2015

Alice Cyborgue


Alice perdera o coelho, estava distraída mexendo no whatsapp. Na verdade, ela não perdeu o coelho porque o coelho se atrasou com o tal de horário de verão, uma coisa que os humanos inventaram e não servia pra porcaria nenhuma, era o que ele sempre dizia.
Seu relógio de bolso havia estragado e em 2015 não existia quem consertasse, ele perdeu a hora pra ver a rainha, perdeu a toca, perdeu Alice.
Sua toca já não existia, o asfalto ganhara e ali agora era uma estrada.
Sem entrada pro país das maravilhas o Coelho ficou desesperado, em uma tentativa de chegar ao país, pulou na frente dos carros.
O que Alice achou? Uma foto em seu instagram com um coelho morto.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A maldição do Egito



- Era uma vez uma civilização muito antiga, hoje em dia eles chamam o local de Egito. 
- Por que hoje em dia? 
- Porque antigamente não havia esse nome, o nome do local há muito tempo foi perdido, só o vento e as ondas do mar sabem como pronunciar, é um nome repleto de magia e força, por isso mesmo ele foi esquecido, as grandes magias podem ajudar e podem destruir o mundo. Posso continuar a história?
- Claro.
- Havia um homem que foi expulso de sua cidade, ele morava em uma antiga vila e ajudava a todos que precisavam, usava de magia e sabia controlar as ervas para curar e para matar, porém, um belo dia, ele foi até a floresta coletar alguns cogumelos e quando voltou para casa, encontrou a filha da mulher mais importante da vila morta em sua casa, ele não soube o que fazer, tentou ressuscitá-la mas não conseguiu, logo a notícia se espalharia e ele seria executado vivo.
Dito e feito, quando todos descobriram o ocorrido, não acreditaram na inocência dele e aplicaram o pior castigo: jogaram ele, sem roupas ou algo para o cobrir, no meio do deserto.
- No meio do deserto? Com areia e tudo?
- Sim, onde é quente e quase não tem água. Ele começou a caminhar pra tentar fugir dali, mas o deserto não tinha fim, o sol era tão quente que ele ficou desidratado, a desidratação era tão grande que o fez vomitar sem parar, seus pés ardiam e estavam com bolhas de queimadura, ele não aguentou e desmaiou.
Ao acordar, estava deitado dentro de um salão dourado, tochas fixadas nos cantos do aposento faziam a luz bruxulear, algumas dançarinas estavam ao seu redor, todas cobertas por longos véus semi-transparentes. Eram as antigas sacerdotisas de Aset, ele conhecia a história mas achava que tratava-se apenas de lenda, ninguém havia visto uma de perto. Elas viram que ele havia acordado e o ajudaram a levantar, chamaram-no de Yinepu e disseram que ele estava predestinado a levar quem precisasse para o templo de Aset, o local que ele estava. Apenas ele e mais ninguém, somente ele saberia o caminho para o templo sagrado de Aset, e somente ele saberia quem precisava de ajuda para poder entrar ao templo.
Não havia como fugir, ele fora salvo e o destino o transformou em um senhor dos caminhos, ele era Yinepu, o que conduzia a todos que precisavam de ajuda para o templo de Aset.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Criação

Gaia conversava enquanto ele habitava seu útero quente e escuro. Ela cantava pra ele, era uma mãe muito serena e calma. A eternidade tem uma mania de deixar as pessoas sábias e com poucas palavras, não foi diferente com Ela. Yinepu chegou, apesar do que muitos pensam, ele não é egípcio e Gaia não é titã. Eles habitam o além-tempo, longe das nomenclaturas humanas. Soprou sua essência naquela alma e sorriu para Gaia. Saiu caminhando por um de seus caminhos, não queria interferir na gestação. Ao nascer, Hécate danada do jeito que é, tomou a alma em seus braços e a acolheu, escolheu ser madrinha, não queria mais ser vó, decidiu ser a que está presente sempre. Hécate embrulhou a alma e a deixou no corpo de Gaia, hoje conhecido como terra. O destino final? Gaia, Yinepu e Hécate guiando caminhos, não é uma tarefa fácil, por isso aquela alma está presa na terra, os caminhos são infinitos. É preciso de cura, de amor e de sombras. Que Gaia te cure, Yinepu te console e Hécate te guie.